Texto escrito por Átila Joly
O Natal no Japão não é muito parecido com o Natal no ocidente. Em vez das enfadonhas reuniões de família em torno de um peru e um panetone, eles preferem sair com o conje, comer KFC e shortcake, também deixando de lado todo o simbolismo religioso que existe pro lado de cá.
Logo, é de se esperar que não haja uma tradição muito grande de horror natalino japonês. Mas essa lacuna é preenchida por The Present, que não é exatamente um filme, mas um episódio de uma antologia baseada na obra de Kazuo Umezu.
Umezu é um capítulo à parte e merece, pelo menos, uma citação aqui. Uma lenda no Japão, mas pouco conhecido – e lançado – por aqui, uma das inspirações de Junji Ito, mangaká, diretor, músico, personalidade de TV excêntrica japonesa, aparecendo sempre com camisas listradas em vermelho e branco. Sua casa é meio que um ponto turístico por ter esse mesmo padrão listrado, inspirado na que talvez seja sua obra de maior sucesso, Makoto-chan, uma série de um humor japonesíssimo publicada em 1976. Enfim, uma pessoa curiosa e que vale ser conhecida.
Mas, voltando ao nosso The Present, temos um slasher que seria protocolar, se não fosse japonês. E, além de ser um slasher de Natal japonês, o que já o conferiria no mínimo um grau de estranheza, ele ainda caiu na mão de Yudai Yamaguchi, que talvez seja mais “conhecido” por dirigir o segmento ‘J is for Jidai Geki’ na irregular antologia The ABC’s of Death. Porém, ninguém se importa com ‘J is for Jidai-Geki’, mas ele também dirigiu o colossal Meatball Machine, que veio naquela safra de body horror descaralhado que o Japão cuspiu às dúzias na primeira década dos anos 2000, de Machine Girl a Killer Pussy. E, no meio disso tudo, Meatball Machine talvez seja o mais perturbado.
Porém, o assunto aqui é The Present, que começa com a nossa heroína infantil, Yuko-chan, acordando de um pesadelo e descobrindo que o Papai Noel ainda não havia passado pela sua casa, e que seria bom ir dormir logo para não correr o risco de sofrer a punição do velhinho. Yuko dorme, e então viajamos no tempo para encontrar uma jovem adulta Yuko (agora interpretada por Seiko Iwaido, pouco conhecida, mas com uma carreira sólida na TV japonesa e um papel de relativo destaque fazendo a versão adolescente da protagonista em Strange Circus do Sion Sono) se preparando para uma festa de Natal com os amigos, escrevendo um cartão para se declarar a seu amado Ryosuke.
O desenvolvimento dos personagens beira o irrelevante até aqui, o que não é condenável em um filme para a TV com menos de 1h de duração, e vemos Yuko e seus amigos dirigindo em direção a um hotel no meio do nada para sua festinha de Natal. Chegando lá, Yuko começa a ter flashbacks do seu sonho de criança e a ficar compreensivelmente bolada por isso. Porém, ela é logo jogada pelos amigos para dentro de um quarto com Ryosuke, dando um fim à sua inquietação e começando, de fato, sua putaria de Natal.
Mas o que temos aqui é um slasher. E sabemos que, tal qual um tubarão pelo sangue, o assassino de slasher é atraído pela foda. E entra em cena o Papai Noel vingador para ensinar uma lição aos jovens japoneses que estão profanando o Natal.
E, de verdade, o que vem a seguir merece ser assistido. Papai Noel usa gancho do Leatherface, corrente do Scorpion, faz arremesso de defunto, empalamento oral com enfeite de árvore, rena canibal e tem até cena de torture porn no meio. O gore dessas cenas é melhor que o esperado, e existe até um arremedo de plot twist psicológico (que culmina num cérebro vazando), mas o que importa mesmo é a vendeta de São Nicolau em nome da moral e dos bons costumes.
Filme curto, divertido e natalino. E, tecnicamente, é muito bom. A fotografia do cinema ‘tradicional’ japonês é um negócio meio sem igual, e o cinema de gênero sempre absorveu isso muito bem. A real é que, aqui, em 2005, o único lugar que produzia horror com o mesmo amor que o Japão era a França com o pessoal do New French Extremity, e, mesmo assim, numa escala consideravelmente menor. Mas o tempo passa, esses diretores que eram absurdamente autorais foram incorporando elementos de fora, até que hoje é cada vez mais difícil perceber essa assinatura japonesa no horror. Coisas com a série O Grito: Origens, da Netflix (que, por sinal, também conta com a Seiko Iwaido no elenco) não parecem nem carregar o mesmo DNA do que consolidou isso que chamamos de ‘horror japonês’, que transitava por temáticas das mais diversas, mas sempre reconhecível. Este The Present, por outro lado, não. É um filme do mais genérico e americano dos gêneros, e soa completamente japonês do começo ao fim. E tem rena canibal.
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