Como fã de terror eu tenho alguns fracos que me fazem gostar muito de certos filmes: gosto de coming of ages; gosto de monstros; gosto de filmes de diretoras; e gosto de esforço. Não que todos os filmes do mundo tenham que ser originais, mas fico muito empolgada quando vejo um filme com referências, como se quem trabalhou nele tivesse se divertido.
É muito difícil pra mim analisar só a qualidade técnica de um filme. Eu preciso de contexto. Pode ser a melhor obra do mundo, a mais bem feita, mas se ela não me fizer sentir nada, se eu não me interessar em nada por ela, se ela não funcionar pra mim, então não adianta de nada.
Dito isso, eu não assisti muitos lançamentos de 2022. Quando o pessoal aqui do blog pensou em fazer o especial dos nossos favoritos do ano eu fiquei meio preocupada. Além de não ter visto muitos filmes no geral, eu não vi quase nenhum lançado esse ano. Então o que eu faria?
De início eu pensei em escrever sobre Predador: A Caçada. Amei, amei tudo que fizeram com a franquia, amei a ideia, amei a forma como a ideia foi exposta, e fiquei muito feliz por um elenco majoritariamente de povos originários, além da própria produtora, Jhane Myers, ser comanche. Mas então ontem à noite, antes de dormir, eu assisti Slash/Back, dirigido pela Nyla Innuksuk, com roteiro dela e de Ryan Cavan. Eu nem tinha ouvido falar desse filme, mas foi uma grata e enorme surpresa feliz. E resolvi escolher ele. Porque todos temos nossos favoritos de 2022, mas eu queria falar de um filme que ficou abaixo do radar.
E isso não é pra dizer que eu sou diferentona. É só que já saíram muitas listas de melhores do ano. E eu queria dar atenção a um filme sem muito holofote.
Pangnirtung é uma aldeia majoritariamente habitada por inuítes na região de Nunavut, no Canadá. Lá, um grupo de adolescentes passa a maior parte de seu tempo andando de bicicletas, saindo escondidas de barco, olhando fotos no instagram e fazendo o possível para encontrar seu lugar no mundo. Maika (Tasiana Shirley), Leena (Chelsea Prusky) e Jesse (Alexis Wolfe) odeiam Pang. Maika, em especial, acha que toda a ancestralidade e história inuíte é uma bobagem. Já Uki (Nalajoss Ellsworth) gosta muito de morar no local, e também gosta de suas origens inuíte.
Mas o que parecia uma vidinha bem meia boca acaba se transformando em um cenário muito bizarro quando, certo dia, o grupo descobre um urso bastante esquisito nas redondezas de Pang. Depois de atirar nele e achar que tinha acabado, Uki — que retornou ao local para provar que era corajosa, depois de um desafio feito por Maika —, acaba descobrindo que uma raça alienígena está matando os animais e usando seus corpos.
Uki corre para contar para o grupo que, de início, não acredita. Até que um dos policiais da cidade chegam onde elas estão. O policial, nesse momento, é só um saco de peles. Ele foi tomado pelo alienígena.
É como se o alienígena de O Enigma de Outro Mundo fizesse uma pequena viagem até os arredores de Pang. O filme é um claro aceno ao clássico de John Carpenter — e isso é mais do que óbvio quando Jesse conta sobre o filme às suas amigas. Mas também tem algo oitentista sem querer soar nostálgico — os passeios de bicicleta, a amizade entre o grupo, até mesmo as poucas discussões que elas têm. É um aceno, até mesmo uma leve semelhança, mas não chega a apelar para a estética do período.
Eu vou ser sincera com vocês. Os efeitos especiais dos animais são tenebrosos. De longe são até legais, a forma como eles se movimentam e tudo, mas de perto são meio ruinzinhos. Mas quando a criatura alienígena ataca os humanos, a coisa fica muito bizarra. Eu adorei a ideia de “roupa de pele”, como ficou em tele, achei arrepiante mesmo. Gostei muito também dos rumos que o filme tomou. Claro que, em relação ao enfrentamento com a criatura, não teve nada muito novo. Mas gosto da forma como as adolescentes conduziram a coisa toda. Maika, que é a protagonista, tecnicamente, teve um processo legal de desenvolvimento. Bem coisa de coming of age, sim, mas gostei bastante.
Além disso, as protagonistas e a diretora cresceram na região. É um filme, basicamente, criado e gravado em Nunavut.
Foi o primeiro longa da diretora. Com o orçamento de um misto quente para cada membro da equipe e um copo de kisuco de morango, a Innuksuk conseguiu fazer um filme divertido, com um monstro bizarro e personagens que eu, particularmente, adoraria ver em outras e novas aventuras. Se com um orçamento pequeno ela conseguiu fazer um trabalho tão bacana — enquanto vemos por aí alguns diretores tendo debuts de doer os olhos e conseguindo orçamentos milionários algum tempo depois —, imagino o que ela não faria com um pouco mais de apoio.
![]() |
Nyla Innuksuk |
Slash/Back não é nem de longe um filme perfeito. Mas, e se isso é possível dentro do capitalismo, é um filme que tem alma. E ele é esforçado. Espero que essas atrizes e que Nyla Innuksuk ainda tenham muitos trabalhos pela frente.
Eu recomendo fazer uma dobradinha com Predador: A Caçada, para aproveitar o clima de jovens garotas indígenas descendo o cacete em alienígena folgado.
Comentários
Postar um comentário