#76 Frankenhooker (1990)


Texto escrito por Clara Gianni

Ridendo castigat mores, aquele batido e rebatido brocardo latino sobre moralização provocando o riso, sintetiza bem a experiência de assistir a Frankenhooker, principalmente se tu fores mulher. Porque veja bem, amiga leitora, amigo leitor, esta aqui é trasheira de primeira qualidade. Não espere grandes reflexões ou momentos de introspecção. Espere manequins pegando fogo à guisa de dublês, e efeitos práticos de qualidade questionável (os melhores tipos de efeito, diga-se de passagem). Espere o absurdo típico das tranqueiras da TV aberta em meados dos anos 90, ocultos em pilhas e pilhas de fitas VHS gravadas e entulhadas em algum canto da tua casa. Mas também prepare-se para se surpreender com um ou outro ponto interessante sobre os temas tratados aqui — involuntários, por certo, mas ainda assim interessantes.

Frankenhooker, como o próprio nome já deixa bem claro logo de cara, é uma versão farofenta do clássico Frankenstein, de Mary Shelley, desta vez ambientada em um pacato subúrbio estadunidense. Jeffrey Franken, um esquisitão que abandonou a faculdade de medicina para se dedicar a experimentos de bioeletricidade um tanto quanto antiéticos, está a um passo de se casar com a girl-next-door, adorável e inócua Elizabeth, quando um acidente envolvendo um cortador de grama não apenas tira a vida da moça, como também espalha seu sangue, vísceras e partes do corpo por todos os convidados do churrasquinho de quintal em que aconteceu a tragédia. Franken faz o que qualquer ser humano normal em sã consciência faria, e dá um jeito de, no meio do festin de sangue, salvar a cabeça da amada e, posteriormente, conservá-la em uma solução de estrogênio (risos). Incapaz de superar a partida de Elizabeth desta para melhor, o cientista passa seus dias entocado na casa da mãe (risos 2), planejando reconstituir o corpo da jovem, mas ainda falta algo. Em um tremendo brainstorming envolvendo trepanação e uma furadeira (sim, aquele treco que o pessoal em Matrix fazia pra absorver novos conhecimentos), Franken tem a brilhante ideia de visitar a zona de prostituição da cidade, escolher os corpos femininos que mais lhe agradam, pilhá-los e, a partir deles, recriar sua finada noiva.

Claro que dá errado, né?


O mais divertido de se assistir a um filme como este aqui, é que podes escolher entre só achar graça do absurdo e do gore todo, ou pescar um ou outro elemento crítico e/ou disruptivo que possa surgir, principalmente por conta dos temas tratados. Eu me diverti horrores da primeira vez em que vi e, revendo, escolhi prestar atenção em outras coisas. O tropo/clichê do "homem que sofre pela perda da mulher amada e decide guardar o cadáver/corpo em estado vegetativo dela até encontrar formas de trazê-la de volta" (rindo de nervoso) aparece em tudo quanto é canto, desde Batman e Robin, de 1997, até, sei lá, Miraculous Ladybug (sim, estou realmente citando Ladybug, não leste errado). Na esmagadora maioria dos casos, com sérias consequências para a contraparte masculina.

Enquanto que a maioria das histórias deste filão sempre se preocupa em tratar dos perigos de se brincar de deus, barganhar com a morte, e trazer de volta um indivíduo cuja vida nesta terra já deu o que tinha que dar, Frankenhooker, sem querer querendo, deixa muito evidente o tipo de ego masculino necessário para levar a cabo esse tipo de plano. Franken passa quase que toda a primeira metade do filme repetindo o quanto ama Elizabeth. Com a mesma intensidade, ele também repete que a trará de volta de uma forma "melhorada". Parece contraditório amar alguém, e desejar mudar aspectos da pessoa que a tornam quem ela é, né? Nem tanto. Até porque fica bem claro que o amor de Franken é um treco puramente egoísta: ora, nada de bom pode vir de alguém que decide garimpar pedaços de corpos de mulheres em situação de prostituição para trazer de volta a mulher amada, não? E, esteja o filme consciente disso ou não (estou mais inclinada a achar que não heheh), as consequências que Franken sofre por sua brincadeirinha estão diretamente relacionadas ao egoísmo misógino que o motivou em primeiro lugar. O mais irônico de tudo isso é que modernas interpretações da obra original, Frankenstein,  compreendem o texto como uma grande alegoria para o abandono masculino.


Seja como escolheres contemplar esta bela pérola do cinema trash, querida ou querido leitor, uma coisa é certa: entretenimento não vai faltar. A já citada cena das mulheres explodindo, substituídas por manequins toscos por milésimos de segundo, é divertidíssima. A cena, ao final do filme, das partes do corpo destas mulheres juntando-se para matar seu antigo proxeneta, afogado no tanque de estrogênio que as conservava, mais ainda. E o que dizer da Elizabeth ressuscitada eletrocutando os rapazes que desejam seus serviços sexuais? Peak cinema.

O que posso dizer? Não precisa de muito pra me agradar, se tiver galhofa já me dou por feliz. Mas é bem legal se surpreender onde menos se espera. 

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