#80 Martin (1977)

Filmes de vampiro adolescentes temos aos montes e parece ser uma temática que não cansa. Alguns dos exemplares que lembro agora são, Garotos Perdidos (1987), Buffy (1992), A Hora do Espanto (1985), Crepúsculo (2008) e por aí vai. Quando a gente menos espera, sai mais um ou fazem remake de algum de sucesso do passado. A temática de crianças e adolescentes malditos amadurecendo rende, seja qual subterfugio monstruoso ou tropo narrativo utilizem, vampiros, bruxas ou lobisomens, ver a angústia e incertezas juvenis é, às vezes, garantia de grandes expectativas. 

Martin, o filme de vampiro adolescente que George Romero filmou em 1976, lançou em 1977 e só fui saber da existência há uns dois ou três anos, foi uma total surpresa igual quando conheci Ganja & Hess (1973). Quase 40 anos depois de seu lançamento e bem antes de termos os vampiros populares que andavam na moda e tinham sua própria gangue, Martin, interpretado por John Amplas, surgiu sem se utilizar de nada disso. Ele é um adolescente introspectivo, inseguro, não era popular, não tinha amigos, não se vestia com roupas da última tendência da moda e acabou de perder a mãe por suicídio. Ele acreditava ser um vampiro por possuir um desejo incontrolável de sangue e quando estava no trem, viajando de Indianápolis para Pittsburg, ele entra no vagão de uma moça e injeta com uma seringa algum tipo de sedativo para depois cortar seu pulso com uma lâmina e beber seu sangue. Ele se despe e despe a moça também, depois a deixa sangrando até morrer. Não fica muito claro se ele faz sexo com ela, mas à medida que o filme avança, ele confessa que nunca conseguiu fazer sexo sem que a outra pessoa estivesse acordada e sangrando.

Bom, voltemos ao trem. Na manhã seguinte da primeira vitima de Martin, ele encontra com um primo idoso chamado Tateh Cuda (Lincoln Maazel) que vai leva-lo até Braddock na Pensilvânia. O velho é hostil e ameaçador com o jovem e só se refere a ele como Nosferatu, mas segue amparando Martin, pois prometeu dar casa, comida e emprego. Na mesma casa, mora também Christina (Christine Forrest), jovem neta de Cuda que é órfã e namora Arthur, personagem de Tom Savini em sua primeira parceria com Romero. Cuda acredita que há na família uma maldição e está convencido que Martin é um velho vampiro que está vivendo há várias gerações. Católico fervoroso, ele se utiliza de tropos tradicionais para se proteger do jovem como alho na porta do quarto e crucifixos espalhados pela casa, mas logo é desmoralizado por Martin que zomba na cara dele dessas crendices e diz ao primo que magia não existe. Já Christina, não acredita em nada disso e acha que Martin precisa mesmo é de tratamento psiquiátrico. A gente não sabe ao certo se as visões em preto e branco que Martin tem são lembranças ou fantasia, imagens dele lutando com padres ou com multidões carregando tochas ou seduzindo mulheres romanticamente, deixam a gente sem saber se de fato ele vivenciou tudo aquilo, só sabemos mesmo que ele segue sua busca em satisfazer seus desejos de sangue fazendo vitimas pela localidade.

Quando fez Martin, Romero já tinha cravado seu nome num filme que hoje é um clássico absoluto do cinema e não só de gênero, A Noite dos Mortos-Vivos quebrou vários paradigmas em 1968 e criou novas criaturas comedoras de carne e tripas que vieram a ser imitadas ao longo das décadas. E aí, subvertendo também mais uma figura monstruosa clássica, ele faz o retrato de um jovem que botou na cabeça que tem 84 anos e é um vampiro e logo de cara já desfaz o uso das presas quando usa uma lâmina de barbear para tirar sangue das vítimas.

Romero, genial que é, primeiro nos coloca contra o jovem assassino, para depois desenvolver a nossa empatia pelo jovem perdido, perturbado e desprotegido Martin, mesmo sabendo todo o mal que ele representa. Em paralelo a isso, com toda a arrogância demonstrada desde o início, num papel que seria claramente o Van Helsing, temos o primo que ameaça constantemente Martin dizendo que se ele mexer com alguém na cidade, irá meter uma estaca em seu coração. Por sinal, Maazel, excelente ator também no recém redescoberto filme de Romero The Amusement Park (1973) que aborda questões sobre o abuso de idosos.

Inicialmente, Romero queria que o filme fosse todo rodado em preto e branco, mas os produtores negaram alegando que tinham outras ideias para a produção, inclusive para o ator principal que não seria John Amplas e sim um ator mais velho. A narração também ia ser mais frequente, mas preferiram focar mais no silêncio e no desenvolvimento de Martin, o que foi bem legal e acho que dá toda a diferença na trama. Romero também soube aproveitar bem a locação em Braddock, escalando moradores locais para atuar e fazendo várias tomadas da cidade, até ele aparece como um simpático padre com fofas barrocas, entendedor de vampiros que adora beber vinhos bons e fumar. 

Quando eu penso em fazer listas de filmes de vampiros, Martin, Ganja & Hess, Deixe Ela Entrar, Blacula, Transfiguração, entre outros, são logo os primeiros que penso. Se você que chegou até aqui e ainda não viu Martin, se dê essa chance. Não tem em streaming, mas tem completo e legendado no youtube, veja antes que derrubem. 

 




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