#84 A Noite dos Mortos-Vivos (1968)


Night of The Living Dead 

(EUA - 1968, Cor, 96 minutos)

Direção: George Romero

Roteiro: George Romero e John Russo

Elenco: Duane Jones, Bill Hinzman, Judith Eastman, Russel Streiner, Karl Hardman, Marilyn Eastman, Kyra O'Dea, Keith Wayne e Judith Ridley, entre outros e outras.

Uma imagem em preto e branco mostra uma vastidão vazia. Se não fosse por um carro que trafega pela estrada, pensaríamos estar vendo uma fotografia. No carro, um casal de irmãos indo visitar o túmulo de um familiar num cemitério distante de onde vivem. O campo santo, claro, é lindo como a maioria deles, e silencioso, se não fosse pelos irmãos, mal se ouviria os sons das folhas caindo. Barbara (Judith O'dea), a irmã, não está à vontade no ambiente e ao perceber isso, Johnny (Russel Streiner), o irmão, aproveita para provoca-la, dizendo que os mortos viriam pegá-la. Ao mesmo tempo, ao fundo e aparentando embriaguez, um homem se aproxima. A partir desse momento o cinema de horror nunca mais foi o mesmo, o trôpego era Bill Hinzman e ele não estava bêbado, estava morto. E também estava vivo. Mas, estava morto. E faminto, atacando os irmãos de maneira selvagem, que se defendem, mas, Johnny morre e Barbara escapa por pouco e assim testemunhamos a ressignificação do zumbi, se até ali eles eram trabalhados como criaturas oriundas de feitiços, foi a partir de A Noite dos Mortos-Vivos que eles se tornaram o que conhecemos hoje em dia, lentos, esfomeados e implacáveis.

Com o passar do tempo, alguns filmes mudaram esse modus operandi e em alguns, eles não apenas correm muito rápido, como também coordenam ações em conjunto (o próprio Romero faria isso no excelente Terra dos Mortos, décadas depois), mas, ainda que se mudem alguns detalhes, no fundo eles continuam os mesmos seres perigosos que andam em hordas, têm comportamento de manada e mesmo assim, quando querem, conseguem ser silenciosos e mortais. Hoje em dia, quando vejo Barbara fugir desesperada do cemitério, fico imaginando o que se passava no coração da coitada, que, igual a nós, não sabia da situação que começava a afligir a humanidade e talvez acreditasse ter sofrido um ataque sexual de um psicopata. Notem que ela permanece alheia à realidade durante um bom tempo, voltando a si aos poucos, claramente traumatizada. A coitada se abriga numa fazenda e lá encontra outros desesperados que dificilmente frequentariam o mesmo ambiente em 1968 se não fosse pela situação.

Ben (Duane Jones), Cooper (Karl Hardman, também produtor do filme), Helen (Marilyn Eastman), sua esposa, Karen (Kyra O'Dea), filha deles, Tom (Keith Wayne) e Judy (Judith Ridley), também um casal. Ben naturalmente se torna o líder, o que não é bem aceito por Cooper, que nunca revela os reais motivos de sua desconfiança, mas, percebemos o que é. Aquartelados, com o passar das horas o grupo vê o número de mortos-vivos não apenas aumentar ao seu redor, como também a investir contra a casa e assim, começam a armar planos de fuga, mas, o que são planos quando o mundo como o conhecemos está acabando e morrer já não tem mais o mesmo significado? 

Não bastasse a influência que tem até hoje, A Noite dos Mortos-Vivos passou para a história por outros motivos além de sua excelência, pois foi nele, por exemplo, que pela primeira vez na história do cinema americano um homem negro (Ben) desce o sarrafo num homem branco (Cooper), fazendo a alegria da comunidade afro-americana, que inclusive, é responsável até hoje por uma porcentagem significativa nas bilheterias de filmes de terror nos EUA. Lançado meses após o assassinato de Martin Luther King, Romero temia uma reação negativa por parte do público negro devido ao seu final, mas, se surpreendeu com o sucesso entre as pessoas dessa comunidade, que, na base do boca a boca, fazia questão de lotar os cinemas para assistir uma nova obra-prima protagonizada por um homem negro e de quebra, sair com um largo sorriso da sala de exibição. Errados não estavam, triste mesmo foi o diretor não ter registrado o filme e o mesmo ter entrado em domínio público imediatamente e o que poderia ter sido a sua galinha dos ovos de ouro se tornou para ele apenas um clássico instantâneo, que sim, abriu caminho para que ele continuasse a fazer filmes (ele faria outros vinte e três filmes até morrer, em 2017), mas, a história dele e de suas obras seguintes seria diferente se tivesse arrecadado o dinheiro que deveria, fato.

Apesar de passados mais de cinquenta anos desde o seu lançamento, a legião de fãs de A Noite dos Mortos-Vivos só aumenta e isso é compreensível, visto a sua história fluida, tensão crescente e desconforto que nos causa em vários momentos, um verdadeiro marco na história do cinema de horror, que como escrevi mais acima, jamais seria o mesmo depois dele. Sorte a nossa.




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