EUA – 2021, colorido 87 minutos
Black as Night
Direção: Maritte Lee Go
Roteiro: Sherman Payne
Elenco: Asjha Cooper, Fabrizio Guido, Keith David, Mason Beauchamp, Frankie Smith, Craig Tate, Sammy Nagi Njuguna, Tim J. Smith, Abbie Gayle, entre outros e outras.
Em 2020 a produtora Blumhouse firmou parceria com a Amazon Studios para o lançamento de oito filmes de terror, os quatro primeiros, Mentira Incondicional (The Lie), Mau Olhado (Evil Eye), Caixa Preta (Black Box) e Noturno (Nocturne) foram lançados em outubro daquele ano, enquanto A Mansão (Manor), O Bingo Macabro (Bingo Hell), Madres – Mães de Ninguém (Madres) e Negra Como a Noite (Black as Night) foram lançados no ano seguinte. Todos os filmes, em maior ou menor grau, discutem pautas importantes para a sociedade, com diferentes resultados entre si.
Em Negra Como a Noite o vampirismo é usado como linha narrativa para discutir escravidão, trauma, racismo, incompetência do poder público, tráfico de drogas e gentrificação na Louisiana, estado americano pródigo nesses problemas.
Estamos em Nova Orleãs, o ano é 2020, há quinze anos o Katrina, furacão que se iniciou como de categoria 3 (“danos avassaladores”, de acordo com a Escala de furacões de Saffir-Simpson) e evoluiu para a categoria 5 (danos irreparáveis, também de acordo com a Escala de furacões de Saffir-Simpson) assolara boa parte do litoral sul dos Estados Unidos, se concentrando em grande parte na capital da Louisiana, matando mais de mil e oitocentas pessoas e fazendo com que mais de um milhão delas fossem evacuadas, causando prejuízo geral na casa dos dois bilhões de dólares, fora as quase duas centenas de pessoas que desapareceram sem deixar vestígios. Se no primeiro momento as ações do poder público deixaram a desejar, década e meia depois a situação não é muito diferente, cicatrizes ainda estão abertas e expostas, muita gente não conseguiu reaver suas moradias e o trauma do acontecido acompanha os que ficaram como se suas sombras fossem e é nesse ambiente complicado que conhecemos Shawna (Asjha Cooper) e Pedro (Fabrizio Guido).
Ela, uma adolescente com problemas de auto estima por causa de sua tez escura, um problema muitas vezes fortalecido por quem deveria ajuda-la. Ele, um adolescente de origem hispânica que se recusa a deixar o lugar porque vê em si um norte para a sua pouco ambiciosa família. Melhores amigos um do outro, nos verões eles têm por hábito invadir coberturas para ficar quarando ao sol enquanto conversam sobre suas vidas, o que se revela uma ação contraditória em partes, pois Shawna costuma cobrir a maior parte do seu corpo para não se bronzear. O histórico de desgraças do lugar é bem trabalhado entre os dois personagens, mas, é discutido também em outros momentos por outros, pois ali todos e todas são ligados e ligadas por dores coletivas.
Uma tarde, indo visitar a sua mãe Denise (Kenneisha Thompson) em Ombreux, comunidade abandonada pelo poder público infestada de traficantes, ladrões, mendigos, viciados e outras gentes a viver um mal momento. Ela é viciada em drogas e o antro onde vegeta consegue ser pior do que certos lixões, situação que dá margem para um diálogo triste de morrer que prova que, mais do que a esperança, a desgraça sim, é universal, numa situação que contrasta diretamente com a casa onde ela vive com seu pai (Derek Marvin) e o irmão (Frankie Smith), que, mesmo longe de ser um palácio, o vemos como tal depois da visita ao domicílio materno. Os diálogos entre Shawna e sua família são tão elucidativos quanto os que ela tem com Pedro, quando o pai, por exemplo, entre a sabedoria e a amargura, explica que certas feridas podem sim, permanecer abertas por décadas e que muitas vezes a culpa não é de quem as carrega. Tocante.
Uma noite, voltando sozinha de uma festa, Shawna é atacada por um vampiro que por pouco não a transforma em um deles, mas, demora-se por tempo o suficiente para fazer com que ela perceba uma peculiaridade deles que a ajudará dali em diante. A falta de notícias sobre a sua mãe faz com que ela e Pedro voltem ao Ombreux apenas para descobrir que a coitada foi transformada numa criatura da noite e ela, sem controle sobre seus atos, ataca a própria filha como se não a (re)conhecesse e acaba morta por exposição à luz solar. Arrasada, Shawna, decide ir atrás dos culpados, procurando ajuda em lugares e pessoas improváveis.
Se desde o início Negra Como a Noite discute os problemas raciais vividos pelos seus personagens e a população da cidade, à medida em que nos aproximamos do final vemos essa discussão se aprofundar, mostrando situações vividas pelas pessoas negras de lá desde há muito, quando suas liberdades e vontades eram determinadas por gentes canalhas tidas como mui civilizadas. Gentes brancas, óbvio e evidente. E Shawna, movida pelo rancor e pela vingança, se vê enredada em planos muito maiores do que poderia imaginar ou sobreviver.
Filme de vampiros que mostra muito mais do que o que se vê, Negra Como a Noite trabalha de maneira eficiente a história que se propõe a contar, brindando-nos com o correto quinhão de sangue e mortes ao mesmo tempo em que mostra pinceladas das dores que acometem os moradores negros do lugar desde há muito. Vale a pena.
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