Crianças costumam ser meigas, frágeis e nos inspira a sermos seres humanos melhores e atenciosos. Mas, e quando assassinatos misteriosos começam a acontecer tendo sempre por perto a presença de uma doce criança de aparência inocente e angelical? Para mim, filmes que envolvem crianças macabras e assassinos psicopatas, são os que mais me causam medo por justamente não sabermos o que esperar e pela proximidade com o real. O mundo tá cheio de casos reais macabros que envolvem esses pequenos “anjinhos” e que causam verdadeiros pesadelos na gente.
The Godsend ou Estranhos Poderes, título que ganhou aqui no Brasil, é um filme de terror britânico de 1980 dirigido por Gabrielle Beaumont e roteiro de Olaf Pooley a partir de um romance de 1976de mesmo titulo original do filme escrito por Bernard Taylor. A trama acompanha a jornada de uma família que teme pela segurança de seus filhos, um medo legitimo e que não é muito abordado nos filmes de horror. Kate (Cyd Hayman) e Alan Marlowe (Malcolm Stoddard), são mãe e pai de quatro filhos e estão caminhando num parque com eles. Enquanto o marido brinca com três deles, ele avista de uma certa distância, sua esposa conversando com uma mulher estranha que olha fixamente para ele. A mulher é interpretada por Angela Pleasance (sim filha de Donald Pleasance, já ouviu falar né? rs), e é literalmente o que se conhece por “gente estranha”. Ela não pisca, não conversa, não interage, não esboça nenhuma reação, só fica parada com um sorriso cínico de canto de boca e sempre com olhar fixo. Ela está gravida e quando começa a chover, Kate oferece sua casa para que a estranha passe a noite. Já na casa, finalmente ela fala e começa a responder, de forma evasiva, a uma penca de perguntas que Kate faz, é quando ficamos sabendo que ela já teve vários filhos, só não sabemos quantos. A estranha caminha pela sala como se tivesse analisando o ambiente e de repente puxa o fio do telefone e esconde. A chuva finalmente para e Alan se propõe a leva-la para onde ela está hospedada, mas ela entre em trabalho de parto e após o nascimento da criança, ela desaparece da mesma forma que apareceu deixando a criança para Kate e Alan.
Até aqui, já foi construído todo um clima de tensão, o suficiente para sabermos que algo de errado não está certo e que estamos prestes a ser testemunhas de que algo de muito ruim está prestes a acontecer. Só não sabemos ainda se com os adultos ou com as crianças. É quando entra em cena Bonnie (Wilhelmina Green), a criança que foi abandonada e adotada pelos Marlows que já tinham quatro crianças e onde comem quanto, comem cinco, né? A criança fofinha, loirinha de bochechas rosadas, cabelos cacheados e olhos azuis, será a responsável por fazer de Estranhos Poderes um dos filmes mais malignos, perversos, inesquecíveis e até influente para os subsequentes filmes com o tema crianças macabras.
Gabrielle Beaumont, diretora que atuou não somente no cinema, mas também na TV dirigindo episódios de séries como Hill Street Blues, Miami Vice, Law & Order, M*A*S*H, Star Trek: The Next Generation, entre outras, sendo inclusive a primeira mulher a dirigir um episodio de Star Trek, traz em seu primeiro longa, Estranhos Poderes, uma direção bem segura com enquadramentos que evocam uma tensão única e uma aura sombria que toca não só em tropos sobre a maldade infantil, mas também questões que são centradas nas mulheres, como a maternidade. E é interessante perceber que a construção do filme se dá quase que por completo sob o sol e sem pressa de se desenrolar. E quando não estamos vendo a luz solar, estamos sob sombras, sussurros e closes em olhares ameaçadores de Bonnie. Enquanto Bonnie executa seu plano maligno de querer Kate só para ela, a mãe se afunda numa depressão cada vez mais pesada e vive a negação de acreditar que sua filha, uma criança, seja capaz de tamanha maldade. Já Alan, sua ficha caiu há tempos e sabe bem com quem está lidando, ele foge com uma de suas filhas, deixando que Kate encontre sua própria verdade e que finalmente caia sua ficha.
Estranhos Poderes se encerra e a gente tá com coração pesando uns 100 quilos, com uma jornada que evoca recomeços e traumas que muitas vezes jamais poderão ser desfeitos e esquecidos. Uma construção de horror psicológico de combustão lenta que talvez não seja atrativa para as gerações mais jovens, mas garanto que com um pouquinho de paciência, ao final do filme, você terá sido testemunha de um dos filmes mais macabros da década de 1980 e melhor ainda, dirigido por uma mulher. Confia!
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