Eu demorei muito para me entender com o cinema nacional. De uns anos para cá tive acesso a filmes excelentes, como os da Ana Carolina e desde então estou sempre em busca de filmes alternativos. Digo que Juliana Rojas, Anita Rocha da Silveira e Gabriela Amaral Almeida fazem parte da minha santa trindade do cinema brasileiro. Hoje escolhi falar de O Animal Cordial, da Gabriela.
Meu primeiro contato com a diretora se deu em 2016, quando vi alguns de seus curtas. Gostei demais deles, então estava mais do que ansiosa para ver seu primeiro longa, O Animal Cordial. Eu o assisti no cinema na época do lançamento. Vi numa sessão bem cedo, comecinho da tarde, e passei o resto do dia com ele na cabeça.
O Animal Cordial acontece num espaço fechado, numa única noite. É um restaurante, os funcionários querem ir embora, eles têm medo de perder o último metrô. Três clientes esperam para serem servidos, a cozinha está prestes a fechar. Acontece um assalto e aquelas pessoas ficam confinadas naquele ambiente e a história se desenrola.
Aqui uma pausa para falar do elenco. Assim como quase todo brasileiro nascido nos anos 80, eu cresci vendo novelas e Murilo Benício era um rosto comum. Vê-lo nesse filme foi uma grande surpresa. Foi mais ou menos a mesma sensação de quando vi Colin Farrell num filme da Liv Ullmann.
Inácio, seu personagem, é o dono do restaurante. Sempre cordial com os clientes, paciente, mostra alguns sinais de descontrole nas primeiras cenas, mas um descontrole organizado, sob medida.
Camila Morgado aparece pouco, mas traz uma fala hipnotizante. Mulher rica, quer ter suas vontades atendidas, ao mesmo tempo que é submissa ao marido, o covarde que fala alto.
Já Luciana Paes mostra uma de suas melhores atuações, no papel de Sara, funcionária do restaurante, aparentemente submissa, envolvida na psicopatia de seu patrão Inácio, com necessidade de ser aceita.
Irandhir Santos é um ator que sempre me surpreende. Aqui não poderia ser diferente com seu personagem Djair. Sua existência ali naquele cenário já mostra uma clara discussão. Dois bandidos e um policial aposentado e solitário completam o cenário.
O clima de tensão se inicia na primeira cena. É um daqueles filmes que você assiste sabendo que vai dar alguma merda. E dá. Ajudado por uma trilha sonora impecável, a tensão se arrasta até o fim.
Uma coisa que noto nos filmes dirigidos por mulheres é a relação com o grotesco. Elas trabalham de uma forma perfeitamente plausível, não há a necessidade de chocar apenas por chocar.
O vômito, o suor e o sangue estão lá, elas não viram os olhos, mas também não criam algo fantasioso. Neste há uma cena de sexo banhado em sangue que não causa aquela risada nervosa incômoda, nem nojo, apenas fascinação. É o ser humano em seu estado mais animalesco.
O que eu vi nesse filme eu nunca tinha visto no cinema brasileiro. Nunca tinha visto os corpos desta forma, nem o sangue, nem a crueldade. E o mais importante, Gabriela não tenta dar explicações aos fatos. As ações e os fatos estão lá, nós expectadores temos que lidar com eles. Propositalmente não estou falando quais seriam esses acontecimentos, é melhor ver esse filme sem saber nada do desenrolar.
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