#293 Um Vampiro no Brooklyn (1995)


Texto escrito por Clara Gianni

Uma iguaria recorrente nas reuniões de família da casa da minha avó era o bolo-pudim. Entre o creme de cupuaçu e a mousse de maracujá feita de gelatina, lá estava o querido, e o tanto que eu me empanturrei do doce após os almoços festivos não tá no gibi. Quando bem feito, o grande barato da receita é fundir duas sobremesas de consistências diferentes, e dar o famoso "tchan" no céu da boca. Na seara das comédias de terror, eu me pego pensando que, se Vampire in Brooklyn fosse uma sobremesa, seria um bolo-pudim — para o bem ou para o mal, convenhamos que mais frequentemente para o bem. Explico. 

Lançado em 1995, Vampire in Brooklyn é Wes Craven pós-Hora do Pesadelo, um ano antes de Pânico, e Eddie Murphy um ano antes de O professor aloprado. Dirigido pelo primeiro, produzido e escrito pelo segundo, o filme acompanha as peripécias do vampiro Maximillian (Murphy), que abandona sua antiga morada nas ilhas caribenhas em um navio rumo a Nova York, mais especificamente rumo ao bairro do Brooklyn. A criatura centenária não está para brincadeira e tem uma missão muito específica: encontrar e seduzir uma mulher humana com sangue vampírico (uma dhampir, portanto), e despertar a essência monstruosa desta, de modo que ambos perpetuem a espécie, prestes a se extinguir. Para tanto, Max salva a vida de Julius (Kadeem Hardison), um capanga dos capangas da máfia italiana, e o transforma em seu ghoul particular, que deverá executar o trabalhinho sujo do imortal à luz do dia, e ajudá-lo a localizar a moça. Claro que o rastro de cadáveres e destruição deixado pela barca do vampiro não passa despercebido pela polícia de Nova York, representada pela dupla de jovens detetives Rita (Angela Bassett, linda como sempre) e Justice (Allen Payne). Rita, em particular, ainda tenta entrar em termos com o falecimento da mãe mentalmente instável, uma investigadora paranormal que desempenhou boa parte de sua pesquisa na região do Caribe. Durante as investigações, os caminhos de Max cruzam com os da policial, alheia à natureza sobrenatural da figura. E de si própria. 


Eu não perdoo a internet por só me deixar descobrir este ano que uma comédia de terror (de vampiros!) do Wes Craven, protagonizada pelo Eddie Murphy, existe. Ainda mais co-protagonizada pela Angela Bassett, uma das minhas crushes supremas, aqui desempenhando um papel muito similar ao da linda vampira Natasha de Claudia Ohana em Vamp (outra crush...), como uma criatura com vestígios de humanidade/humana com traços vampíricos, em constante luta contra suas necessidades sangrentas. Como não resistir? 

No que se propõe a fazer de melhor, o filme (a que chamo carinhosamente de "Um príncipe das trevas em Nova York") acerta em cheio. O breve lore vampiresco exposto logo na cena de abertura, a mitologia que se ancora firmemente em referenciais sobrenaturais da América Central, e a trilha sonora tomada por reggae e R&B, tudo é muito bem-feito e impecável. Para quem já está de saco cheio de narrativas dos nossos queridos e amados chupadores de sangue sob os mesmos referenciais europeus e brancos que têm povoado o imaginário ocidental com alguma frequência há uns bons duzentos anos, é um sopro de ar fresco.


É um contraste interessante com o mais recente (e também excelente) Vampires vs. the Bronx, de 2020, em que os mórbidos vampiros europeus recém-chegados são a representação (metafórica e literal) do processo de gentrificação em um bairro de ocupação predominantemente negra e latina. Se no longa da Netflix as criaturas da noite já perturbam a paz da vizinhança desde o princípio, aqui o vampiro charmoso de Murphy transita com alguma naturalidade (a despeito da chegada abrupta em seu navio), seja procurando por Rita pelas paredes coloridas da boate em que o especialista em sobrenatural da trama, Dr. Zeko (Zakes Mokae), encobre suas operações, seja à porta da casa da jovem, convidando-a para um date. É um movimento que encontra paralelos com aquele realizado pelo próprio Drácula (um estrangeiro) ao cruzar o continente rumo à "moderna" Londres vitoriana — no caso da clássica adaptação de Coppola, que insere a sedução de uma amada imortal como principal motivação, o paralelo é ainda maior. Fora que a cena de Max lançando seus encantos sobre Rita em um transe hipnótico ao som de No woman no cry é fenomenal.



Só que eu comentei sobre o bolo-pudim lá em cima, né? Pois é. 

A comédia é divertidíssima — a cena em que Max se disfarça como o pastor da igreja que Rita frequenta, e lança mão de um sermão que termina em "evil ass is good", é uma das mais engraçadas do filme. O terror é igualmente bacanudo. Em vários momentos, contudo, tive a sensação de assistir a dois excelentes filmes, um de comédia, outro de terror (com alguma confluência entre um e outro), costurados em um único longa. Fora duas cenas pontuais em que Eddie Murphy encarna seus clássicos disfarces, boa parte do humor é conduzida por Julius, o avacalhado assistente ghoul que vai perdendo partes apodrecidas do próprio corpo ao longo do filme, já que a finesse e a elegância vampiresca de Max não dão muita abertura pra farofagens. Já Bassett, como uma mulher independente que luta consigo mesma para manter a própria sanidade e não sofrer do mesmo destino que a mãe, é quem carrega boa parte dos momentos mais tensos do longa. A questão é que nem sempre os momentos mais cômicos se mesclam aos mais aterrorizantes tão bem assim, e o sentimento é quase como cortar um pedaço de bolo, um pedaço de pudim, e dar uma colherada em um seguido do outro. Quase. Nada, contudo, que de fato impeça que a gente se divirta com a experiência completa.



De qualquer forma, a julgar pelo sucesso estrondoso da franquia Pânico pelas décadas seguintes, imagino que Wes Craven tenha refinado a arte alquímica de juntar riso a susto. E, ainda assim, Vampire in Brooklyn é tranquilamente um clássico noventista que merece ser revisitado nas tardes de domingo, tal qual um delicioso bolo-pudim.

(Um adendo irônico: não seria a última vez que uma personagem de Angela Bassett se deixaria enredar por uma figura vampiresca sedutora. Ainda estou adiando assistir a American Horror Story: Hotel, porque vê-la bebendo sangue do peito da Condessa interpretada por Lady Gaga, outra crush suprema minha, talvez seja emoção demais pro meu coração — risos nervosos)



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