“Em terra de matador, mulher que mata é serial killer”.
Lembro da primeira vez que vi um show da Gaby Amarantos no carnaval daqui do Recife e me apaixonei logo de cara. Ela ainda usava um collant preto igual a sua musa usava e do qual seu nome passou a ser conhecida Brasil afora: Beyoncé do Pará. Não demorou e logo logo ela se desvencilhou do nome passando a ser chamada como a conhecemos hoje. Hits e mais hits na boca do povo como “Ex Mai Love” que virou até trilha de novela da Globo e "Xirley", composta, inclusive por um artista recifense, Zé Cafofinho. Dona de uma voz autêntica e poderosa, Gaby foi ganhando fama e conquistando mais ainda o Brasil até que finalmente chegou às telonas e estreando como protagonista.
No filme dirigido por René Guerra, Gaby é Kelly uma cantora de forró e brega, mas também é uma assassina em série que mata homens enquanto viaja pelo interior do nordeste se apresentando em cabarés, zonas, bares, restaurantes e até shoppings. São nesses locais onde ela bota seu vozeirão “pra torar”. Kelly conhece Tempero (Igor de Araújo) numa das apresentações e eles passam a dividir a vida no trailer e dividem também alguns segredos e muitos fluidos corporais, só que Kelly é uma serial killer e ela gosta de matar homens, principalmente homens que dão algum motivo para ela, como seu próprio produtor que tentou lhe passar a perna e foi morar na terra dos pés juntos. O rastro de sangue que Kelly deixa, chama a atenção da polícia de Alagoas e principalmente da delegada Fabíola (Paula Cohen) que passa a caçar Kelly, mesmo não tendo sua iniciativa aprovada, já que o lugar não faz questão de esconder sua faceta machista e misógina.
Serial Kelly tem crime, tem mortes, tem sangue, tem música, mas também tem muita humanidade de dois destaques desta obra: Gaby Amarantos e Paula Cohen. Primeiro Gaby que surpreende não só pelo talento de atuar, mas pela naturalidade com que age em tela com sua anti-heroína justificada. Ela tem seus motivos como mulher e principalmente como uma mulher artista num ambiente e lugar conhecido por seus mandos e desmandos opressivos advindos de homens poderosos. É aí que entra nosso segundo destaque, Paula como a autoridade que bate o pé e quer colocar esse caso para frente, mesmo cercada por policiais que não fingem estar incomodados por estarem sendo comandados por uma mulher. Mas ela não quer apenas capturar a tal da serial killer, ela quer ajudá-la.
Mulheres serial killers são relativamente raras em comparação aos homens, mas ainda assim existem casos ao longo da história. Suas motivações podem variar e vão de fatores que incluem desde traumas de infâncias, abusos físicos, psicológicos ou financeiros, vingança ou poder e por aí vai. Kelly tem seus motivos, mas eles vão se apresentar numa unidade que beira a abusos de misoginia. Gosto muito como a trama vai sendo construída, sua narrativa não linear e de como é dividida em capítulos: Céu, Purgatório e Inferno. Logo de início, vemos Kelly se entregando à polícia enquanto uma dezena de armas é apontada em sua direção. A trama dá uma volta para o começo, é quando conhecemos mais daquela personagem, suas ambições, desejos, frustrações e, finalmente, a decadência. Seu ciclo se completou.
As alfinetadas sociais sobre embustes religiosos não passam despercebidos. Kelly tem uma irmã que é casada com um pastor evangélico e os dois lideram uma igreja em algum interior, até que tudo desmorona. Bom, quanto mais se julga o erro dos outros, mas parece que se tem algo a esconder. É assim que Kelly desmascara o tal pastor e diz que livrou sua irmã de um verdadeiro demônio. As viagens de trailer de Kelly, fazem o filme parecer uma espécie de Road Movie que me lembrou muito alguns filmes brasileiros de antigamente onde se procurava apresentar um Brasil rural envolvidos em mitos, ritos e crenças populares, mas também onde a lei tem dois e até mais lados.
Mesmo que Serial Kelly esteja longe de ser um filme perfeito sobre uma assassina em série brasileira e que ele pareça estranho em alguns aspectos técnicos e narrativos, ainda assim é uma história que vale a pena ser prestigiada. É despretensiosa, leve, bem humorada e ainda tem uma versão maravilhosa para Psycho Killer da icônica banda Talking Heads chamada Rapariga Cascavel. Procurei tanto essa versão pra ouvir, mas não achei. BUÁ!
O filme está disponível no Telecine e essa é minha primeira recomendação para o mini especial de horror brasileiro nesta reta final do blog.
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