Eu gosto muito de antologias e eu já devo ter falado isso um milhão de vezes ou em quase todos os textos que escrevi sobre alguma antologia de horror. É quando você consegue ter acesso e aproveitar várias histórias, olhares, estilos em um filme só. Sejam elas costuradas por alguma outra que liga todas elas como a antologia dirigida só por mulheres XX (2017) e abraça questões femininas e o Tales From the Hood (1995) que toca em questões raciais da comunidade afro-americana, ou até as independentes entre si como o ABC da Morte (2012) que reúne diversos curtas e diretores.
A Juju Stories é um filme em três partes que foca no folclore e nas lendas urbanas nigerianas como o Juju, que significa basicamente magia ou encanto que incorpora objetos como amuletos e podem estar relacionadas à boa sorte ou a atos nefastos. É popular na África Ocidental e geralmente o feiticeiro que pratica o serviço, cobra por ele. No filme, dirigido e escrito pelo coletivo Surreal16 formado por CJ Obasi, Abba Makama e Michael Omonua, temos a presença do Juju nos três segmentos acompanhados de histórias de amor, vingança, ganância e tudo rodeado de um interessante tom fabuloso que confronta e contrasta com uma Nigéria moderna e seus personagens urbanos.
A primeira história chamada “Love Potion” é escrita e dirigida por Omonua e segue Mercy, uma moça que está em busca de um amor e se apaixona por Leonard, ou o que ela idealiza ser Leonard. Mas ele, é um corretor de imóveis que está prestes a se casar. Os dois usam o pretexto do trabalho para se encontrar e ficar cada vez mais proximos, é quando Mercy, convencida por uma amiga, usa de feitiço para atrair o homem e aí ela prepara uma poção do amor. Ela atrai Leonard para um encontro e faz o rapaz beber a poção, é aí que a história muda de perspectiva e passamos a acompanhamos o outro lado, com Leonard sofrendo os efeitos da magia e se entregando de vez para Mercy. É o melhor segmento em termos de profundidade e desenvolvimento de personagens, e, como a maioria das fábulas, traz também um fundo de moral sobre cobiça, expectativas, idealização em relacionamentos e traição.
Abba Makama que escreveu e dirigiu o conto “Yam”, mostra no início um casal de classe alta que toma seu café da manhã tranquilamente e comentam uma reportagem de jornal sobre ser cada vez mais frequente pessoas se transformando em inhames depois de pegar dinheiro achado no chão. Denunciando o contraste desse casal confortável e cortando logo em seguida para a realidade das ruas e da notícia, um homem chamado Amos, é um ladrão de rua e é perseguido por uma mendiga louca que pragueja algo indecifrável para ele. Perto dali outro homem que trabalha numa oficina e planeja algo não muito bacana contra sua namorada grávida. Os dois são vítimas do próprio mal que lançam e praticam. Amos, quando pega dinheiro na calçada e Tohfik quando acha um inhame num bar, leva para casa, cozinha e dá para a namorada. Uma história bizarra, angustiante e acredito ser a que mais denuncia o contraste social e econômico da Nigéria.
Já o terceiro e ultimo segmento, traz uma história e um conceito de bruxa e bruxaria mais conhecido e digamos, tradicional. No conto “Suffer the Witch”, de Obasi, acompanhamos a jornada de Chinwe e sua amizade crescente com a colega de quarto, a misteriosa e obsessiva Joy. O roteiro não fica de mistérios e já entrega logo que Joy é uma bruxa, só que ela desenvolveu uma fixação por Chinwe e qualquer um que ousar se colocar entre elas, vai sofrer as consequências. Só que Chinwe tem um interesse romântico em Ikenna e ela é correspondida. Será que os dois vão conseguir escapar de uma bruxa obcecada, ciumenta e poderosa?
Juju Stories foi um filme que dei play esperando (quase) nada e acabou entregando tudo. Me pareceu ser um filme que está pouco interessado em explicar e mais interessado no sensorial das histórias que, mesmo sendo local, se conecta de alguma forma com públicos globais. Amor, amizade, cobiça, vingança, tudo isso já faz parte de um imaginário universal e foi o que achei mais bacana no filme, além, claro, das escolhas criativas e narrativas. Mesmo cada história tendo uma pitada que seja de moral, os criadores da antologia fogem dessa discussão de redenção e castigo abertamente, até porque cada personagem mostrado, está além do binário bem vs mau, cada um deles carrega em si diversas características e sentimentos que o tornam humanos e não seres perfeitos inalcançáveis. Vale muito a pena ver se você tiver afim de fugir um pouco dos filmes hollywoodianos, tá disponível no Prime Video.






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