#288 O Fantasma do Paraíso (1974)


Texto escrito por Clara Gianni

Quando eu era criança, em meados dos anos 2000, tinha o hábito de catar teorias de conspiração em sites de procedência duvidosa. A sementinha foi plantada pelo primo de uma prima em alguma festa de família promovida por um finado tio materno; o garoto era crente, e adorava me contar das tais "mensagens subliminares" espalhadas por todos os cantos, de comerciais de TV a desenhos animados, passando por videogames, músicas, discos ao contrário e clipes famosos, com o objetivo final de aliciar meninos e meninas ao reino do diabo, dos Illuminati e da Nova Ordem Mundial.

Com meus nove, dez anos, lá ia eu procurar toda aquela farofada no Google (e em um Youtube em vias de se tornar o que é hoje em dia). A parte que mais me interessava de toda essa mitologia digna de chapéu de alumínio, claro, era a indústria musical. Mensagens ocultas nas gravações de Led Zeppelin; artistas femininas sofrendo lavagem cerebral nas mãos do projeto MK Ultra; Beyoncé e Jay-Z frequentadores da O.T.O. de Aleister Crowley; Lady Gaga e seu pacto satânico; Olho que Tudo Vê dali, piso maçônico acolá, meu eu criança devorava tudo. Mal conseguia dormir.


Vernizes muito elaborados, contudo, geralmente escondem explicações muito mais mundanas, nem por isso menos cruéis: tire “os senhores do mundo” e os rituais elaborados ao estilo De olhos bem fechados, e substitua por produtores carniceiros, gravadoras com cláusulas de contrato abusivas, testes do sofá, boicotes em premiações, executivos engravatados em conluio com paparazzi, e tens a essência nada fantástica de como a indústria fonográfica estadunidense efetivamente funciona. Britney e Whitney não me deixam mentir, infelizmente.

Produzido três ou quatro décadas antes que essas discussões entrassem na ordem do dia, Phantom of the Paradise, de 1974, é pouco lembrado quando se pensa na filmografia de Brian De Palma, embora hoje em dia tenha alçado o status de clássico cult. Uma releitura moderna e faustiana de O fantasma da Ópera com um pezinho em O retrato de Dorian Gray, atualizada para a cena musical hedonista dos anos 70, e repleta de pastiches e homenagens ao cinema de terror/horror, o filme passou a ser apreciado pelo estilo, pela trilha sonora grudenta, e pela crueza com que retrata os ban ban bans do meio musical por debaixo de toda a extravagância.


O todo-poderoso produtor musical Swan (Paul Williams) — um Phil Spector setentista ou um proto-Dr. Luke, a analogia fica ao gosto do freguês — deseja realizar seu projeto mais ambicioso até então: inaugurar a boate mezzo templo do rock Paradise, de onde sairá a vanguarda de singles e álbuns para o topo das paradas de sucesso. Em busca da obra-prima que servirá de cartão de visitas para tamanho empreendimento, Swan se depara com o jovem Winslow Leach (William Finley), uma espécie de singer-songwriter. O rapaz compensa a aparência mirrada e um tanto medíocre com talento e verve criativa de sobra, detalhe que o chefão não demora para perceber. Através de seu capanga, Philbin (George Memmoli), Swan se apropria das composições de Winslow (uma cantata/opera rock inspirada no mito de Fausto) e, para se assegurar de que sairá impune no golpe, trata de destruir por completo a vida do ingênuo músico; entre outros infortúnios, o rapaz é preso, tem os dentes arrancados e substituídos por próteses de metal e, após fugir da penitenciária e descobrir cópias gravadas de suas composições na sede da Death Records (gravadora de Swan), tem o rosto e as cordas vocais esmagadas por uma prensa de discos. E porque desgraça pouca é bobagem (risos nervosos), Winslow se joga às margens de um rio para escapar da polícia e é dado como morto.


Com a proximidade da inauguração da Paradise, uma tresloucada figura em vestes pretas passa a "assombrar" o local, sabotando elementos do cenário, e atentando contra a vida dos performers que ali ensaiam. Para não sair por baixo, Swan propõe uma trégua ao tal Fantasma, um Winslow já deformado, abrigando-o nos porões de seu palácio musical para que finalize sua cantata faustiana, desde que este pare de sabotar a estreia da casa, enredando-o em um contrato literalmente assinado com sangue. Winslow, contudo, possui uma condição: que Phoenix (Jessica Harper em seu filme de estreia, pouco antes de Suspiria), uma bela e talentosa aspirante a cantora que o rapaz conhecera em uma das audições mezzo testes de sofá realizadas pela Death Records, seja a intérprete de todas as canções, atrações de estreia da boate.


Para quem acha que já viu de tudo, ou que o mote pacto diabólico/faustiano + indústria da música já esteja um pouco batido hoje em dia, pense de novo. Seja como uma trama livremente inspirada (e bota livre nisso) no triângulo Raoul-Christine-Erik já consagrada nos palcos da Broadway, seja como uma fábula glam rock, Phantom of Paradise é trágica na mesma medida em que é divertidíssima. Sou suspeita para falar, já que adoro terror, adoro musicais, e adoro pesquisar sobre música no geral, mas é delicioso se deparar com uma série de referências ao que efetivamente estava rolando na época — desde as bandas revival dos anos 1950 até o rock teatral popularizado por Alice Cooper (que, por sinal, deve horrores ao pioneiro Screamin' Jay Hawkins), passando pelo glam sexualmente ambíguo alá Bowie e Jobriath de meados da década, tudo está lá. Reassisti isso aqui cantando quase todas as canções interpretadas pelos personagens (compostas por Paul Williams especialmente para o filme).

O figurino do Fantasma, então, dispensa comentários; a despeito de se tratar de um filme pouco conhecido do grande público, é notório o impacto cultural de seu protagonista nas obras que se seguiram. Para leitores mais assíduos de mangás, difícil não ver a máscara/capacete de Winslow e não pensar na armadura de Griffith, o grande antagonista da obra Berzerk (cujo mangaká, Kentaro Miura, é assumidamente fã de De Palma). Da respiração pesada do Fantasma, oriunda de um equipamento de som embutido em suas vestes, veio Darth Vader. Fora todo o delicioso carnaval de dança, música e viadagem que viria a se tornar The Rocky Horror Picture Show pouco tempo depois (curiosamente, ambas as obras têm um cara loiro, musculoso e meio bicha trazidos à vida de dentro de um esquife estilo Frankenstein - risos).


Talvez a loucura grotesca e espalhafatosa de um jovem De Palma pré-Carrie, Scarface e Missão: Impossível não seja do agrado de muitos — ironicamente, o colega de trabalho que me emprestou o DVD detestava. Mas justo por tudo isso, e também pela discussão principal da trama ainda se repetir tanto no showbiz (ou melhor, não ter mudado em quase nada) quase cinquenta anos depois, não custa nada dar uma chance.

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