#328 Carrie, A Estranha (1976)

Carrie - A Estranha 

1976 - EUA

Direção: Brian De Palma

Elenco: Sissy Spacek, Piper Laurie, Amy Irving, John Travolta, William Katt, Nancy Allen, Betty Buckley, Edie McClurg, PJ Soles, entre outros e outras

Pobre Carrie (Sissy Spacek), ela não tem paz, seja em casa ou na escola, dois ambientes que, na prática, deveriam ser acolhedores, mas, isso nem sempre acontece, seja na vida ou no cinema. Neste caso em específico, em casa Carrie é oprimida pela mãe, uma fanática religiosa cheia de pecados, como geralmente são essas gentes e na escola, sofre bullying dos colegas e das colegas. Inocente, a garota não entende porque aquelas coisas acontecem, já que vive como a mãe ordena e é uma aluna zelosa, na verdade, quase invisível por causa do tratamento que recebe daqueles e daquelas que fazem da vida dela um inferno pior do que já é.

No vestiário, após uma aula de educação física, Carrie menstrua enquanto toma banho e entra em pânico, pois crê estar sangrando pura e simplesmente. Para piorar, as outras alunas, ao invés de ajudá-la, aproveitam o momento para fazer de Carrie mais uma vez de objeto de escárnio e só param com a chegada de Miss Collins (Betty Buckley), a professora. A sequência de abertura dá o tom do que acontece no coração da garota naquele momento, que igual às colegas, tem disposição de sobra, mas, seu espírito está enclausurado numa cela de regras impossíveis. Carrie desconhece a natureza de seu próprio corpo, sendo pega de surpresa por situações comezinhas, como a supracitada menstruação e os desejos naturais àquela idade, incluída a vontade de estar só. Mas, não foi apenas a puberdade que chegou para a garota, junto com as mudanças hormonais e as tempestade que ela acarreta em nossos corpos, Carrie se descobre telecinética, ou seja, ela consegue mover objetos com a força do pensamento e como sabemos, nossos pensamentos nessa fase da vida podem ser selvagens e inconsequentes. 

Ao chegar em casa após o colégio, ela é castigada pela mãe, Margareth (Piper Laurie, excelente como todo o resto do elenco) cuja pensamento intolerante enxerga maldade nos caminhos próprios da natureza e desconta na filha o seu próprio fracasso como ser humano. A casa onde vivem é um reflexo da mente de Margareth, suja, indesejável e cheia de objetos que remetem ao catolicismo, lembrando mais um museu com acervo horrível. Nada no lugar transmite paz, sendo o cubículo onde Carrie costuma ser trancada pela mãe para rezar diante de uma bizarra estátua de Cristo, o cômodo mais doentio. 

Mas, além da situação desagradável, a menorreia traz para Carrie um legítimo desejo de mudanças e apesar de maltratada em casa e na escola, onde a singela pichação "Carrie come merda" enfeita a parede da quadra de esportes, à maneira dela, ela começa a tentar mudar, o que chama a atenção dos colegas e das colegas, um monte de gente escrota que se diverte maltratando quem não lhes oferece perigo, tática comum aos covardes, porém, nem todos lá têm atitudes beligerantes com a garota, como Miss Collins (Betty Buckley), professora de Educação Física que a defende de seus opressores e opressoras, num bem-querer pintado com tintas homo eróticas, ou Sue (Amy Irving), uma das beldades do colégio, que, arrependida do tratamento dado à garota, decide ceder a Carrie no baile de formatura da escola a companhia de Tommy (William Katt), um sujeito boa pinta com um sorriso capaz de iluminar o próprio sol e acontece de ser seu namorado. 

A princípio ele discorda, mas, por ter o coração tão bom quanto o da namorada, acaba cedendo. O problema, pois sabemos, sempre existe um, é que nem todas as colegas de Carrie a querem ver feliz, em particular, Christine, que após se desentender com Miss Collins durante uma detenção, perde o direito de ir ao baile de formatura, talvez o evento mais importante da vida de um adolescente americano e arma com seu namorado Billy (John Travolta ) e alguns colegas, uma vingança a ser testemunhada por todos e todas e depois disso a cidade nunca mais será a mesma, nunca mesmo. 

Baseado no primeiro livro escrito por Stephen King que, autor desconhecido à época, vendeu os direitos da obra por míseros dois mil e quinhentos dólares (pouco mais de catorze mil dólares em 2023) e dirigido por Brian De Palma, Carrie - A Estranha, é um dos melhores filmes baseado em obra do escritor. Se é fiel só livro não sei dizer, pois (ainda) não o li, mas, a história aqui desenvolvida é fluida e cativante, com bom desenvolvimento dos personagens, assim como suas dores, alegrias e ambições. O elenco, como dito antes, é absolutamente excelente, todos e todas trabalham com gosto e acreditamos em cada palavra que sai de seus lábios, mas, Piper Laurie, atriz que interpreta Margareth White, mãe da protagonista, está soberba e faz-nos perceber até mesmo em momentos doces que aquela é sim, uma mulher doente, obcecada por um poder invisível que ela acredita usá-la como ferramenta de salvação, quando na verdade, ela vive à beira do abismo da loucura e da vaidade, contrastando diretamente com Sissy Spacek, que interpreta Carrie, sua filha, um ser pueril que exala inocência e deseja apenas ter uma vida normal, igual às das pessoas que a cercam, um raio de luz que convive com as trevas que acompanham a sua mãe. Não à toa, ambas foram indicadas ao Oscar por este filme.

Betty Buckley também se destaca como Miss Collins, a única adulta que dedica a Carrie os cuidados que ela merece, trazendo a medida certa de paz aos corações do público e da garota, no meio de um inferno habilmente disfarçado de subúrbio classe média americano filmado com gosto por Brian De Palma, que se aproveita do material para fazer um cinema bonito com momentos de inegável inspiração hitchcockiana, cujos filmes são parte assumida da sua formação e que aqui as assume descaradamente em diversos momentos. 

Filme de terror rápido, triste e com inesquecível banho de sangue que nos faz querer ler o livro ao final. Vale.




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