Se você ainda não caiu nas graças do terror latino-americano é porque ainda não encontrou o filme ou livro ou história certa pra você — ou porque você se acostumou tanto com o terror hollywoodiano que não quer dar uma chance pra outra coisa, mas aí cada um com seus problemas.
O terror feito na América Latina tem conquistado espaço e público e corações a cada ano, e tem sido lindo assistir enquanto nossos hermanos (e nós mesmos, vejam aí Medusa e tantos outros) brilham tanto. Hoje eu vou falar de uma pérola escondida nos recantos mais profundos da Netflix, mas que é um filme incrível, delicioso de assistir e muito competente.
Historia de lo Oculto é um filme argentino dirigido por Cristian Ponce, e conta a história da última exibição de um programa de TV (fictício) bastante famoso chamado 60 Minutos para a Meia-Noite, cujo o apresentador, chamado Alfredo (Héctor Ostrofsky), chamou para entrevistar um famoso empresário chamado Adrián Marcato (Germán Baudino). Marcato aparentemente tem ligações com o presidente em vigor do país, que, alega-se, assassinou um inimigo político. Conforme a entrevista se desenrola, Marcato conta que tem uma ligação com a bruxaria. Enquanto isso, os ajudantes do programa tentam descobrir se essa ligação é real.
Pouco a pouco coisas estranhas começam a acontecer, e conforme o programa se aproxima do final, mais se torna claro que, pelo visto, Marcato e seus colegas possivelmente bruxos têm manipulado a realidade, sacrificando vidas humanas para uma entidade obscura e estranha.
Em meio a desaparecimentos de adversários políticos, o filme poderia ser somente um thriller de conspirações governamentais. Mas todo o caos, todas as possibilidades, a forma como o diretor escolhe o que nos mostrar e as reações dos atores em meio a isso transformam Historia de lo Oculto um filme pra lá de eficiente.
Há um aceno claro ao período da ditadura argentina, aos governos totalitários e aos momentos de trancos e barrancos que eles, assim como nós, passamos em nossa história. O medo, o desconforto, saber que você está sendo observado e pode ser o próximo a ser encontrado em uma vala. Adicione tudo isso um pouco de terror provocado pelo ocultismo. Se ter o governo vigente espreitando todos os seus inimigos com a máquina do estado já é ruim, imagine se eles fossem bruxos.
Não fosse só isso, que já é motivo suficiente pra me fazer me encantar por um filme — tratar dessa política, dessas situações assustadoras com alegorias sobrenaturais —, há, ainda, uma referência a Mariana Enriquez que me deixa apaixonada toda vez, quando Marcato cita As Coisas que Perdemos no Fogo. É impossível não se lembrar também de Nossa Parte da Noite, toda a repressão e o período político instável que a Mariana Enriquez descreveu tão bem, inserindo elementos sobrenaturais ao longo do texto, mas sempre deixando claro que o terror que havia ali era o terror humano, a busca por poder.
O filme ganhou diversos prêmios em festivais em 2020 e 2021, como melhor diretor e melhor filme em Buenos Aires Rojo Sangre, Festival Internacional de Cine de Mar del Plata e no Fantaspoa. Cristian Ponce já era conhecido por alguns fãs de terror por sua excelente série animada A Frequência Kirlian, que esteve disponível na Netflix por alguns anos. Mas, pra mim, Historia de lo Oculto não recebe a atenção que merece. São 1h22 de um terror político que prende sua atenção e te traz possibilidades aterradoras. Um filmaço.
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