#371 Sangue para Drácula (1974)

Enfim, mais de um mês depois de ter visto no cinema, cá estou eu postando sobre Sangue para Drácula, filme que tive o prazer e o privilégio de assistir no Cinema da Fundação na sessão À Meia-Noite te Levarei ao Cinema. Ir a essas sessões tem me feito um bem danado, só queria que a cidade fosse mais segura pra gente, principalmente mulher, poder relaxar mais e desfrutar de um filminho na madruga. Antes do início do filme teve um vídeo de apresentação com Udo Kier falando sobre sua experiência com Paul Morrissey e como surgiu o convite para protagonizar um vampiro. A ideia era levar o próprio Udo para apresentar a sessão, já que ele estava aqui no Recife para a gravação do novo filme do Kleber Mendonça Filho, Agente Secreto, mas ele precisou voltar para os EUA antes. Udo é uma força da natureza, né? Já fez mais de duas centenas de filmes, desde os mais cultuados aos mais obscuros e experimentais. Foi justamente com Morrissey e Andy Warhol, onde interpretou versões satíricas de Drácula e Frankenstein que viu sua carreira deslanchar.

Sangue para Drácula de 1974 segue o Conde Drácula, que se encontra gravemente enfraquecido por não conseguir manter sua alimentação que é basicamente sangue virgem. A iguaria está em falta na Romênia e é então que, aconselhado por seu assistente, Drácula aceita ir para a Itália, onde acredita-se que as tradições católicas rigorosas manteriam mais mulheres puras. Eles, então, se instalam na casa de uma família aristocrática em decadência, na esperança de encontrar sangue virgem entre as filhas da família. Só que a realidade está longe da idealizada, e Drácula se depara com uma série de situações absurdas e cômicas.

O filme Já começa com a cena lírica e melancólica do Conde se maquiando e aplicando uma espécie de tinta preta no cabelo na tentativa de deixar mais aceitável, ou saudável, sua aparência pálida de morto-vivo, embora esteja passando por sérios problemas físicos. A produção vem de uma época em que as grandes transformações na indústria cinematográfica no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, onde muitos dos antigos monstros do cinema começaram a parecer previsíveis e sem impacto. Drácula, que há tempos representava uma ameaça à moralidade e aos padrões comportamentais da era vitoriana, necessitava de uma repaginada para acompanhar os tempos em que essas normas já haviam sidos superadas, é aí que entra o subversivo Andy Warhol junto com o diretor Paul Morrissey para assumiram esse desafio transformando Drácula em uma figura patética e caricatura de si mesmo quando é posto diante de costumes sociais cada vez mais permissivos pós revolução sexual.

É na mistura do horror com a sátira social que a dupla Warhol e Morrissey, além de ridicularizar a figura de Drácula – decadente, frágil e desesperado – revela toda a decadência aristocrática ao expor a hipocrisia religiosa dos Marchese Di Fiore. Esta família, que já viu tempos melhores e de abundância, agora se contenta em tentar casar uma de suas quatro filhas com o aristocrata estrangeiro, enquanto duas delas se deitam e se deleitam com Mario, um ferrenho marxista e faz-tudo da mansão, interpretado por Joe Dallesandro, ator que se tornou icônico, uma das principais atrações da Factory e logo se consagrando também como estrela dos filmes underground de Warhol e Morrissey, onde geralmente interpretava anti-heróis com uma imagem marcada por sua sexualidade desinibida e consolidando-se como um ícone da liberação sexual e da cultura pop.

Mario passa grande parte do filme indo para cama com duas das irmãs Di Fiore e defendendo ideias comunistas sobre o colapso da aristocracia e a ascensão do trabalhador. Seu personagem, um bruto sem senso ético, é autossuficiente e age sem se preocupar com normas sociais servindo, ironicamente, de contrapondo à moralidade de Drácula, a qual surge da necessidade de sangue para sobreviver. A amoralidade de Mario parece vir de um mundo que está em ruínas e, por isso, não vê razão em seguir regras. Ele age por instinto e força, tomando o que deseja sem hesitação, inclusive estuprando. A sátira do filme é justamente esse personagem ser um total e completo crápula e ainda assim conseguir ser o “herói” representando o caos de uma nova ordem, coisa que Drácula já não consegue dar conta. 

Sem dúvida, Sangue para Drácula é um filme recheado de deboche, humor ácido e, por vezes, bobo, mas isso faz parte do seu charme notável. Paul Morrissey surpreende ao misturar o grotesco do horror com esse tipo de humor, criando uma experiência que é ao mesmo tempo divertida e chocante. A abundância de sangue, vômitos sangrentos, membros decepados, sexo e muita nudez compõem o exagero que define o tom do filme, oferecendo risadas em meio ao desconforto. Assistir a essa obra em uma sala de cinema foi uma experiência catártica única.

Morrissey entrega uma versão de Drácula que foge radicalmente ao tradicional. Ele apresenta um vampiro vegetariano, frágil e desconstruído, subvertendo todas as representações anteriores dessa figura icônica. O filme brinca com as expectativas e reinventa o mito de Drácula, tornando-o vulnerável em meio a um mundo decadente e caótico. No fim, Sangue para Drácula acaba se destacando pela ousadia de ir contra a norma e pela irreverência com que aborda um dos personagens mais marcantes do horror.



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